No man is an island, entire of itself...any man's death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee."
John Donne
Uma preocupação que se evidencia na sociedade contemporânea é a de exaltar o sincretismo cultural e promover políticas igualitárias entre diferentes populações. Cabe lembrar que foram raras as vezes que na história da humanidade houve esse tipo de atitude. No entanto não estamos livres de tabus e preconceitos, muito menos de estar perto de um patamar de igualdade entre os povos. Numa sociedade capitalista (como a atual), com tantos extremos ultrajantes entre o pobre e o rico, se aceita sem presteza o sistema que prevalece idiotizando a mente de uma população burguesa preocupada unicamente com o ego, como escreveu o alemão Herman Hesse na obra "O lobo da Estepe" (Der steppenwolf). A sociedade cria padrões de beleza, moral e conduta para atormentar mentes de uma sociedade que vive em um simulacro, sem jamais se entregar por inteiro.
Processos de colonização na América latina foram marcados por hecatombes produzidas por civilizações que se julgavam retentoras da cultura (talvez até hoje se julguem) como superiores, providas do verdadeiro intelecto e toda baboseira que se convencionou acreditar. O regime de escravidão no Brasil foi um dos que mais duraram e reflete até hoje em problemas da sociedade brasileira, resultando em iniciativas governamentais como o plausível programa de cotas de vagas para negros no ingresso a universidade pública. Essas honráveis intervenções do governo em uma sociedade desigual se estabelece também na Austrália, onde há diversos programas socias para amparar os quase extintos aborígines.
Por volta de 1700 a Inglaterra iniciou a colonização da Austrália. Há uma infinidade de relatos sobre o conturbado envolvimento entre brancos e aborígines. A população branca que colonizou a Austrália veio de presídios ingleses. A Inglaterra tinha que esvaziar suas insalubres e lotadas colônias penais e resolveu despejar seriais killers, bandidos, contrabandistas e ladrões de galinha para povoar sua colônia. Houve desta forma conflitos entre a população local e colonos ingleses que caçavam nas horas de lazer aborígines para simplesmente ultrajar-los ou matá-los como faziam com os cangurus. Além disso, algumas vezes de maneira aparentemente amigável os colonos ingleses se aproximavam das tribos e ofereciam bebidas alcoólicas, os aborígines acabavam por se embriagar até a morte, sendo o vício em bebidas alcoólicas latente nas tribos australianas até hoje.
Na década de 1960, veio a pior de todas as atitudes do colonizador: o governo australiano resolveu retirar crianças mestiças entre brancos e aborígines e enviá-las a famílias inglesas e orfanatos para serem "educadas". Uma visão preconceituosa e torpe, os aborígines tinham visão diferente da educação do branco, que via o mundo a seu redor com outras perspectivas. As crianças aborígines eram retiradas de suas famílias a força, numa espécie de seqüestro amparado pela lei do país. Essa geração de crianças ficou conhecida como "geração roubada" (the lost generation). A geração roubada pede até hoje do governo perdão pelos erros do passado o que acarretaria em milhares de multas as famílias que sofreram com o sistema.
A Rússia também foi um país marcado por desigualdades, o sistema legal de escravidão durante anos promoveu ideais de superioridade e hierarquia social. Kreopostnoje Pravo é o nome do sistema legal de servidão russo, criado em 1649 após inúmeros casos de fuga dos camponeses. Esta lei forçava os camponeses russos a manterem-se nas terras, sem nenhum direito de propriedade sobre ela. Os donos das terras, sobretudo nobres, podiam vender as terras juntamente com os servos que nela trabalhavam num regime de subserviência. Os burgueses tinham o direito de dispor dos servos quase da forma como quisessem, desde que não os matassem.
A Rússia é um país com amplitudes étnicas e a servidão legal pode ser considerada uma forma ultrajante de tratar um ser humano. Os ex-servos que compraram a liberdade ou mesmo após a abolição do krepostonoje Pravo eram desdenhados no convívio social. O contista russo Anton Tchékhov viveu toda a vida tentando lidar com o preconceito, o escritor era neto do servo Egor Tchekhov, que comprou a própria liberdade em 1841; no entanto, continuou a sofrer o estigma de um ex-servo, um homem de "segunda classe". Um ex-escravo que comprou a liberdade. Não sendo aceitos pela sociedade muitos desses "sub-homens", na maioria mujiques* continuaram a trabalhar para os nobres mesmo depois da abolição do regime. Algo parecido com a abolição dos escravos negros aqui no Brasil. Em "Mumu", uma novela do escritor russo Ivan Turgeniev, que cumpriu pena de dois anos de confinamento por escrever uma literatura engajada pela abolição dos servos do Kreopostnoje Pravo, acredita-se que o escritor numa personagem da novela tenha retratado a mãe, uma mulher que mantinha sob um regime austero e vil os servos sempre submissos numa fazenda.
A desigualdade na sociedade contemporânea toma rumos diferentes, mas tão vis e néscios como os já cometidos no passado. Em Rondônia, a colonização na década de 80 trouxe para cá milhares de cidadãos, na maioria camponeses do sul e sudeste, que sem duvida desenvolveram a região, que parece ter pouca importância para o resto do país. A televisão nacional oblitera qualquer fato sobre Rondônia, que aparece de quando em vez na mídia nacional por um escândalo político ou motins e rebeliões nos presídios. O preconceito que afronta Rondônia é tão torpe quanto o cometido com ex-servos do Kreopostonoje Pravo ou mesmo a injustiça cometida contra a geração roubada da Austrália. A mídia mostra de maneira subliminar que a mata amazônica é importante, mas o homem que vive nela não é relevante. Em tempos de holocausto cometidos contra a floresta que arde ao incessante pedido de socorro, percebe-se que nenhum dos dois (que podem ser considerados um só), nem a floresta nem o amazônida fazem parte do Brasil.
Mesmo em cidades da região amazônica é comum ouvir bate-papos preconceituosos contra índios, caboclos e ribeirinhos; enfim, o homem amazônida: de que estes são pouco desenvolvidos, sem cultura, atrasados e ociosos para o trabalho. Deve-se, no entanto, refletir sobre o contexto social dessas pessoas. Para o índio não faz sentido trabalhar se tudo o que ele precisa pode ser retirado do rio, da mata, da terra. Esse princípio de exaltação do trabalho sendo usado para desqualificar povos com diferentes culturas é retrógrado e se baseia em conceitos capitalistas. Em Auschwitz, maior campo de concentração nazista construído na Polônia, para manter aprisionados judeus e outros grupos étnicos e sociais que representavam ameaça ao regime Hitler, existe uma pilhérica frase de mau gosto logo na entrada " Arbeit Macht Frei": o trabalho liberta! (?) – o ponto de interrogação é por minha conta.
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